O mundo da hospitalidade vem assistindo a uma evolução gradual ao longo dos últimos dois milênios. Mas as duas maiores mudanças que agitaram a indústria aconteceram apenas no último século. A primeira foi a ascensão das redes hoteleiras nos anos 60: um novo modelo de negócio que oferecia aos hóspedes a vantagem da qualidade garantida e que, no final, ainda colocava o produto acima do serviço. A segunda revolução veio com a disrupção digital deste milênio. Agências de viagem virtuais, mídias sociais e websites, em que os usuários fazem recomendações e relatam experiências, transformaram o modo como os viajantes adquirem produtos e os hotéis fazem negócio. Plataformas da economia colaborativa agora capacitam viajantes a descobrir novas experiências de hospedagem – às vezes, de qualidade imprevisível.
Mas a tecnologia fez mais do que simplesmente aumentar a transparência e facilitar o comércio eletrônico. A era digital inaugurou uma nova mentalidade do viajante, empurrando a indústria hoteleira para uma era de inovação. Para entender de que modo a tecnologia influenciou a expectativa e o desejo dos hóspedes, considere os millennials, a primeira geração de nativos digitais. Totalizando cerca de 1,8 bilhão de pessoas no mundo segundo a Nielsen, os millennials são o maior segmento de consumo e estão rapidamente alcançando o apogeu de seus gastos. Estudos costumam descrevê-los assim: cresceram com a internet, usando a tecnologia para interagir, expressar seus sentimentos e consumir. Eles preferem compartilhar a possuir, dando origem a empresas de economia compartilhada como Airbnb e Uber. Eles são atentos e socialmente conscientes, e esperam que as marcas compartilhem esses valores.
Os millennials são todas essas coisas. E não são nada disso. Não é tão fácil categorizar um segmento consumidor de quase 2 bilhões de pessoas no mundo. E essa é a principal característica deles: têm um estilo de vida descompromissado, que combina trabalho/lazer, jantar/bebidas e amigo/amante e lhes rendeu o apelido de slashers [do termo em inglês slash, sinal de pontuação da barra inclinada].
Esse princípio também se reflete na atitude que eles têm em relação ao luxo: os millennials combinam livremente itens luxuosos com moda de rua, mesclando visuais para exprimir sua individualidade. Mas um fato permanece claro: os millennials buscam experiências em vez de produtos. Preferem gastar com viagens a comprar uma casa. E quando viajam, buscam experiências autênticas e imersão cultural em vez de excursões organizadas. Na era digital, atender os millennials não significa incorporar as novas tecnologias (o que é cada vez mais normal), mas entregar as experiências que os clientes querem.
Experiências significativas e histórias para contar são as chaves para o sucesso de um negócio. Embora o produto principal seja e vá continuar sendo essencial ao êxito, o conteúdo que o cerca é importante, e irá separar o bom do ótimo. Então, como as marcas estão inovando quando não se trata do produto, mas do conteúdo que o expressa?
O Experiential Traveler Report 2018 da Skift mostrou que 69% dos entrevistados preferem gastar mais em atividades melhores a ficar em um bom quarto de hotel. Essas mudanças na preferência dos hóspedes estão criando oportunidades para novos tipos de hotéis – e novas experiências.
Hotéis-butique de custo razoável, como o Mama Shelter e o CitizenM, desenvolveram um modelo de “luxo acessível” inspirado pelos millennials. Fiel à busca dessa geração por autenticidade, o eclético Mama Shelter embrenha os hóspedes em regiões urbanas alternativas e artísticas (o primeiro hotel da rede na América do Sul foi aberto no ano passado em Santa Teresa, no Rio de Janeiro). Concertos ao vivo, DJs, transmissões de futebol e até noites de bingo convidam os viajantes a se misturarem com os habitantes locais. Enquanto isso, os hotéis da CitizenM ficam nos centros urbanos e oferecem espaços sociais e um leque de serviços digitais, como o uso do celular para check-in/check-out, controle da temperatura do quarto e das chaves.
Muitos viajantes não estão mais satisfeitos em apenas visitar as principais atrações e em “ser turistas”. Em vez disso, estão descobrindo significado na imersão cultural autêntica e em atividades que ultrapassam os limites. Em vez de ver a viagem como uma forma de relaxamento e entretenimento, esses clientes buscam experiências que os capacitem a aprender e a crescer.
A empresa de viagens AdAstra, por exemplo, organiza o Survival Adventures nas selvas colombianas, onde os viajantes passam de duas semanas a três meses aprendendo a viver no meio ambiente. A Thread Caravan organiza excursões artesanais em todo o mundo, apresentando aos viajantes artes, cultura e artesãos locais. E a Butterfield & Robinson oferece um leque de itinerários slow travel: os viajantes podem escolher fazer trilhas em locais como o Butão, a Islândia ou a Namíbia.
As soluções digitais podem proporcionar aos viajantes comodidades e personalização em um nível avançado, ao mesmo tempo em que dão às marcas maior percepção sobre as preferências dos consumidores. O Peninsula Group desenvolveu seu próprio sistema operacional para interagir com os hóspedes: tablets nos quartos adaptados à língua do cliente, que permitem colocar sinais de “Não Perturbe”, acessar o serviço de quarto, reservar transporte, controlar a luminosidade, mudar os canais da televisão e trancar as portas.
Mas a tecnologia também apresenta novos desafios para os hoteleiros. Na era digital, os clientes geralmente se familiarizam com um hotel antes mesmo de chegar à propriedade. Eles podem ler sobre as instalações, folhear virtualmente o cardápio do restaurante, ver fotografias ou mesmo fazer um tour virtual. Dadas essas circunstâncias, como os hoteleiros ainda podem surpreender e impressionar seus hóspedes? É aí que o serviço, a construção das relações com o cliente, torna-se importante. Na indústria de serviços, a incorporação da tecnologia não pode se tornar uma desculpa para a preguiça. O big data e os serviços automatizados não devem substituir a comunicação e a interação pessoal com os hóspedes. Manter esse toque humano é vital se as marcas quiserem ultrapassar a expectativa dos clientes.
Hoje, mais do que nunca, o luxo é empírico. É claro, o produto é fundamental – o hotel físico, o restaurante, os ingredientes –, mas as experiências são a maneira como os clientes obtêm conexões emocionais e memoráveis. Então, as indústrias de hospitalidade, de varejo e de serviços têm algo único a oferecer e cultivar: o contato direto com eles. O serviço, a atenção ao detalhe e o toque humano são elementos que podem aumentar a experiência do hóspede.
Não importa se estamos falando de um hotel cinco estrelas ou de um hotel-butique independente. As marcas que trabalham com a hospitalidade têm a oportunidade de contar suas histórias por meio da entrega de experiências únicas. E o mundo digital de hoje as capacita a selecionar o conteúdo e a inspirar seu público por meio da internet. Mas o conteúdo precisa ser legítimo. Enquanto os consumidores continuarem buscando experiências únicas e significativas, a importância do serviço centrado no cliente não pode ser subestimada. Antes de tudo, a hospitalidade é um negócio que envolve pessoas. A inovação depende do talento humano.
Fonte: Época Negócios