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Aplicativos de delivery e ‘canibalismo’: a guerra que os consumidores não veem

Dono de padarias e restaurantes tradicionais em Londrina, no norte do Paraná, o empresário Alexandre Mello optou há cerca de um ano por aderir ao iFood. A promessa da plataforma era melhorar as taxas de cobrança (o porcentual do valor pago pelo cliente que fica para a plataforma) em relação à concorrência e aumentar as vendas das lojas do empresário por meio de promoções e parcerias diversas.

Num primeiro momento, o negócio parecia ter sido um tiro certeiro e os estabelecimentos que ele e a família comandam chegaram a atender 300 pedidos por dia. Só que aí começaram as surpresas. “Eles fazem promoções e aí vem as pegadinhas, descontando tudo de você. É sempre uma pegadinha atrás da outra”, desabafa o empresário.

A reclamação não é algo isolado. Outros empresários ouvidos pela reportagem também se queixaram de coisas como a majoração unilateral do porcentual de cobrança do aplicativo (que chega até ¼ do valor do pedido), as promoções malucas, do tipo “compre um lanche e ganhe outro”, a oferta sistemática de cupons de desconto e de entrega grátis. Isso tudo eleva os custos de operação e devora as margens de lucro dos estabelecimentos.

“Se não fizer promoção, não fizer entrega grátis, funciona. Se fizer o que eles pedem, você se rala. Um mês vem bem, outro também, depois você começa a pagar para eles. Vão quebrar os restaurantes se não abrirem os olhos”, reclama Alexandre, que abandonou as promoções ofertadas pelo iFood. “Hoje fazemos uma média de 30 entregas por dia. Melhor vender menos com pouco lucro do que vender muito, oferecer entrega grátis e ter prejuízo.”

Outro caso é o de Abelardo da Fonseca Telles Neto, que há 17 anos comanda a Pizzaria Boca de Forno, localizada no Bigorrilho, em Curitiba. Há mais de dois anos trabalhando com a plataforma, ele diz que seu negócio sofreu um baque, com queda de 40% no faturamento. O motivo? Segundo ele, a competição predatória que o iFood acaba gerando, por forçar os empresários a baixar o preço ao máximo.

“Eles estão instigando uma competição completamente predatória, mas está todo mundo se matando e ninguém ganhando dinheiro. As grandes cadeias e franqueadoras, que fecham acordo nacional, ainda ganham algo. Os pequenos comerciantes que está difícil de sobreviver”, diz Neto. “Tem muita gente reclamando, se quebrando financeiramente. Eles estão instigando essa competição agressiva e isso não está sendo positivo.”

O Bem Paraná tentou contato na tarde de ontem com a assessoria de imprensa do iFood e encaminhou um e-mail solicitando um posicionamento da empresa com relação às reclamações dos empresários. Até o fechamento desta reportagem, contudo, não houve resposta. Tão logo haja um posicionamento, a matéria será atualizada no site do jornal.

Mercado de delivery só cresce no Brasil. E há quem ganhe com isso

Apesar das reclamações de empresários, o mercado de delivery nacional cresce expressivamente no Brasil. Em 2019, por exemplo, o faturamento foi de R$ 15 bilhões, aumento de 20% em relação ao ano anterior, e a expectativa para 2020 é alcançar R$ 18 bilhões, segundo estimativa da Abrasel. O dado inclui a entrega de produtos pedidos via aplicativo, por telefone, plataforma própria e grab and go (quando o cliente compra a refeição, mas não consome no estabelecimento, como o drive thru). Apesar de não se ter um número exato, os apps de entrega lideram esse crescimento.

Proprietário do espaço gastronômico Mercado do Sal, o empresário Ricardo Luiz Buzzi tem uma visão mais positiva com relação às plataformas de delivery. “[Os aplicativos] Fortalecem os lojistas e com isso fortalece nosso negócio também. Não é um concorrente [dos restaurantes], mas um complemento e o saldo é bem positivo”, afirma o empresário. “Vem mudando o perfil do consumidor, eu mesmo sou usuário de app. Facilita muito o hábito de se comer fora e, vamos dizer assim, ‘comer fora dentro de casa’”.

Ainda segundo ele, quando um cliente experimenta uma comida ou bebida de algum estabelecimento localizado no Mercado e que adquiriu via iFood, aumenta as chances dessa pessoa querer conhecer o local pessoalmente.

Dignidade de trabalho vira diferencial para o negócio

Embora trabalhe com delivery via aplicativo, o empresário Abelardo da Fonseca Telles Neto, da Pizzaria Boca de Forno, relata que faz questão de ter uma equipe própria, com funcionários da própria empresa, fazendo as entregas de suas pizzas. Esses profissionais, inclusive, utilizam uma roupagem própria, uma espécie de fraque (imagem acima). A ideia, explica o empresário, é criar a sensação de que um garçom está entregando a pizza na casa do cliente.

“Nossos funcionários tem carteira assinada, seguro de vida. Agora, e esses aplicativos? Os entregadores estão registrados? Tem seguro de vida? E se esse homem morre? Não tem retaguarda nenhuma. Por isso a briga está injusta”, comenta, citando os gastos que os empresários têm para ajudar a sustentar o Sistema de Seguridade Social. “Montei a entrega própria para ser um diferencial. O pessoal gosta, se sentem bem com isso. Não aumentou as minhas vendas, mas não mexemos na qualidade de estrutura nem de gente que temos.”

Nos próximos dias ou semanas, inclusive, a Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar) deve apresentar projetos de lei junto à Assembleia Legislativa do Paraná e às Câmaras Municipais para regulamentar essas questões envolvendo motoboys e outros profissionais que fazem entrega para os aplicativos de delivery. “Eles não têm retaguarda nenhuma, mas é o que está dando oportunidade neste momento, todo mundo precisando de dinheiro”, comenta Abelardo.

Fonte: Bem Paraná

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